sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Crônica do Paulo José Cunha dando um chega prá lá em Arruda e sua canalha

Recebi por e-mail, e Paulo José Cunha não guarda segredo dela. Por isso, reproduzo a crônica que fala do sentimento de nojo que nos envolve, com tantos escândalos na política do Distrito Federal. Obrigado, PJCunha, por expressar assim nosso desejo de ver novos tempos brotarem em nossa cidade.
 

Chega.

                                                                Paulo José Cunha

 

Chega.

 

Assim, sem exclamação, sem exageros, sem gritos histéricos.  Apenas, chega. Ponto. Pois já se exauriu o tempo das explicações inúteis para o que foi visto e repetido nas telas das tevês, que nos causou repulsa, engulho, nojo, revolta, vergonha e lágrimas. A exibição das imagens sórdidas de bolsas e meias entupidas de dinheiro sujo causou uma dor fina, dor doída e persistente, que não vai parar tão cedo de doer em todos os que amamos esta cidade. Brasília anda triste, de olhos baixos. Com a tristeza dos traídos.

 

Sim, porque abriu-se uma ferida funda, bem ali no meio da Esplanada; lá onde mora o coração da cidade, entre as pessoas que tomam ônibus na Rodoviária; ao lado da Praça do Relógio em Taguatinga; entre os violeiros da Casa do Cantador da Ceilândia; no meio da pista que vai pra Sobradinho; no centro da Feira do Guará. Uma ferida fétida, aberta para onde se olha. Uma ferida dói por toda parte. Aberta, exposta, dolorida e que permanecerá aberta, exposta e dolorida até que alguém entenda o sentido de uma palavra seca e única: chega.

 

Sem alarde, sem discurso pomposo, dizemos apenas e tão simplesmente que chega. Nossos meninos, bravos meninos (os novos caras-pintadas, aos quais se uniram agora os igualmente bravos coroas-pintados) continuam enfrentando as patas dos cavalos da polícia de S. Excia. Mas S. Excia. e seus acólitos ainda não entenderam que chega. A guerra acabou, o senhor perdeu, o povo ganhou. Chega.

 

Alcançamos, aos 50 anos, a idade da razão, com um passado que nos orgulha. Passado todo feito de coragem. Coragem de momentos como aquele, quando a brava gente brasiliense foi às ruas despedir-se de seu criador e carregou em lágrimas ao cemitério o corpo de JK nas próprias mãos, desafiando as ordens da ditadura ("como poderei viver sem a tua companhia?"); coragem dos meninos da UnB que enfrentaram os tanques e os fuzis da intolerância e escreveram com sua dor uma das mais belas páginas da rebeldia sincera de nossa juventude; coragem dos que não pararam de buzinar, em desobediência às ordens tresloucadas de um general grotesco, antiquixote patético, a cavalo, aos berros, chicoteando carros  na tentativa inútil de conter o turbilhão da liberdade; coragem dos jovens bonitos que um dia se vestiram de preto e, pintados para a guerra, mudaram o curso da história.

 

História. Uma palavra cara a todos nós, brasilienses, pois nos últimos 50 anos ela tem passado obrigatoriamente por aqui, e boa parte dela tem sido escrita por nós, e um pouco com o nosso sangue. Nós, agora feridos em nosso orgulho mais puro.

 

Por isso, chega. Como diz o libertário e rebelde poeta Torquato Neto, "a guerra acabou, quem perdeu agradeça a quem ganhou". Chega. Se não entenderam ainda, nós, os que amamos esta cidade que nos acolheu e onde nossos filhos crescem e se tornam cidadãos de bem, repetimos e repetiremos enquanto houver ar nos pulmões: chega.

 

Brasília está vocacionada para o futuro, é a cidade da coragem. Coragem de um louco que a sonhou para concretizar a interiorização do desenvolvimento, disse que ia erguer a capital do futuro e a fez brotar da terra vermelha, feito flor do cerrado. É a cidade da coragem da arquitetura revolucionária de Lúcio e Oscar, que ainda hoje assombra o mundo. Brasília é a cidade da coragem de quem remove os entulhos do passado, muda o rumo dos ventos e inaugura o futuro. Coragem, quase um sobrenome nosso. Brasília, capital da coragem. Coragem que nunca nos abandonou.

 

Por tudo isso, game over, meus compadres: as fichas acabaram e vocês não entenderam. Não adianta quebrar a máquina de videogame. The end. Fim. C'est fint. O jogo acabou. Nossa coragem, não. Está maior do que nunca.

 

Por tudo isso, chega. Agora, por gentileza, saiam daí, que o futuro quer passar.

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                                                                                    Paulo José Cunha é jornalista, professor e escritor.   

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