sábado, 4 de julho de 2009

O Dia que a Rodoviária Sumiu

Ao chegar de manhã cedo,
no ônibus do Pedregal,
assustou-se Serafim,
pois não via ou via mal:
em seu lugar costumeiro
havia uma ausência total:

Cadê a Rodoviária?
Sumira sem deixar sinal.
Não havia nem coluna,
nem escada, nem beiral.
Sumiram-se pontos de ônibus,
do branco, nem o cal.

Não havia nem o chão,
por onde os Eixos passavam.
Tudo era um sumidouro,
que a todos abismava,
mas ao abismo profundo,
ninguém um paso arriscava.

Cadê as pastelarias?
Onde as bancas de jornal?
Sumiu-se a livraria,
caiu trânsito e sinal.
Evaporou-se o mármore,
no buraco abissal.

E, na cabeça de Serafim,
a pergunta sem resposta:
Onde vou engraxar sapatos?
Estou com a caixa nas costas.
Não tenho onde me acostar,
não há vão escada ou porta.

Os ônibus já recuam;
a fila não mais se acaba.
Dos quatro cantos, quem disse
que há qualquer retirada?
Não há como ir adiante,
para trás, ninguém se abala.

Na ponta Norte do Eixo,
já se alcança Sobradinho.
Ao Sul, no Bandeirante,
ninguém tira fino.
A Leste, na L2,
mover-se é um desatino.

A Oeste, no Cruzeiro,
não passa nem um menino.
E das pontes atravessadas
do Lago, nem se bulindo.
Sumida a Rodoviária,
num buraco sem destino.

Como vou vender balinha,
mesmo com essa multidão?
Não há sinal de parada,
ninguém me presta atenção.
Tudo virou o buraco,
escavado aqui no chão.

E, à noite, como dormir?
Onde estender o colchão?
Serafim e seus colegas,
roubados de seu rincão.
Como acender a fogueira,
das tábuas de algum caixão?

Onde foi essa danada,
que no chão sempre esteve?
Quem a terá roubado,
e onde foi que a reteve?
Será que ainda volta?
Ou pro céu se foi, bem leve?

João Bosco Bezerra Bonfim
www.lavrapalavra.com.br

sexta-feira, 3 de julho de 2009

mandacaru fulora na seca

em sombria tarde, sede sóbrio
barranco abaixo, sede queda
em chuva ou caatinga, sede cacto

e sempre um lume, o lume

nem que esse amor cedesse a todo o mal

noves fora as raivas e os contragostos, mel

quarta-feira, 1 de julho de 2009

No Reino de Arapoanga

A escola de Arapoanga,
na tradicional Planaltina,
a cada ano que venho
uma coisa nova me ensina:
que o amor pela leitura
é do saber uma mina.

São professores danados,
teimosos como ninguém:
Zineuda, Amélia e Jordenius
nunca cederam ao desdém
de quem ignora o valor
que a poesia tem.

Numa cidade erguida
sobre a vermelha poeira,
com telhas improvisadas
porque a chuva é passageira,
uma escola bem pequena
é a esperança derradeira

Dos deserdados da terra
de emprego e de canção,
que numa escola de verdade
buscam a última remissão
de superar as misérias,
por meio da educação.

Uma escola onde tudo
era para dar errado
juntaram-se mais professores
como brotando do cerrado,
entusiasmados de fato
para transformar esse fado.

No Cefa de Arapoanga
mais que ensino, alegria
brota em cada sala,
onde pensar é mania
para espantar o mau agouro
da falsa democracia.

Porque no Reino de Arapoanga
democracia não é só votar,
é ler e escrever uma carta,
um livro, um blogue, um jornal;
é mergulhar no Brasil
e em sua cultura popular.

Aqui, no Café com Letrras,
em sua oitava jornada,
quem nunca viu, venha ver,
esse café é uma parada:
onde se sorve a leitura
pelas mãos de estranha fada,

Pelo chapéu de um saci
ou pelo rastro da Iara,
pelos versos de cantoria,
onde a imaginação não para,
pois é sempre reforçada
pela coragem mais rara.

A coragem que é da fé,
da cabeça ao coração,
feita de camaradagem
e também de emoção.
Viva o Cefa Arapoanga,
que reescreve a educação.


(Que venha de lá o café,
venha o suco, o leite, o p ão.
Venha também o abraço
que alimenta a afeição.
E venham teatro e poesia
que dão alma à educação)

João Bosco Bezerra Bonfim, em 1 de julho de 2009